...
O Morangueiro - reserva de 2013
Após vários anos a degustar uma bela pinga produzida pelo mano Rogério numa exploração agrícola - Quinta de Covelas - em Amarante, propriedade da Cooperativa de Habitação "A Tripeira", de cuja Direcção é seu Presidente, achei que também eu, que não me considero filho de um Deus menor, me poderia abalançar em tal tarefa na propriedade que possuo para os lados de Santo Tirso, mais exactamente em Sequeirô, perto da famosa Quinta de Gomariz. Assim, no início de 2012 resolvi plantar três videiras de americano e outras tantas de Cardinal e em Setembro desse mesmo ano consegui produzir uma quantidade apreciável de um morangueiro jeitoso - mais de 17 garrafas! Quanto às uvas cardinal, cresceram cheias de "varizes" e foram direitinhas para o lixo. Tratou-se da minha primeira experiência como vitivinicultor e, não me tendo saído muito mal (acabou por se beber todo), resolvi, este ano, repetir a façanha, mas aprimorei a técnica recorrendo aos ensinamentos "via net" e controlando a evolução da vinha a fim de evitar possíveis ataques de fungos indesejáveis. Pelo andar da carruagem, previa uma excelente safra e, assim sendo, cuidei de ir coleccionando vasilhame para o efeito, tendo atingido o número de setenta e cinco garrafas. Contudo, chegado a finais de Setembro, verifiquei que grande parte das uvas ainda não tinham atingido o grau de maturação desejado. Aguardei até finais de Outubro, mas a situação manteve-se, isto é: algumas uvas já bem maduras e outras ainda verdes. Colhi apenas as maduras e, assim, acabei por produzir um morangueiro especial de mais de dez garrafas, isto é: dez garrafas e meia. Embora tivesse ficado longe da meta prevista (75 garrafas), afigura-se-me estar na presença de uma produção de castas seleccionadas que, com o envelhecimento, se irá transformar num precioso néctar que fará as delícias do pessoal que por lá vai aparecendo para umas churrascadas. Trata-se, efectivamente, de um vinho produzido sem qualquer recurso a produtos químicos, usando técnicas e equipamentos completamente artesanais, tornando-o, portanto, num produto autênticamente abiliológico. Por esse motivo, resolvi divulgar aqui as técnicas e equipamentos utilizados no sentido de habilitar os eventuais interessados e os incentivar na produção de vinhos genuínos e de qualidade superior. 1 - A VINDIMA Esta operação foi efectuada manualmente e sem recurso a qualquer artefacto (tesoura), já que a mão esquerda se manteve agarrada à ramada para manter o equilíbrio e a direita arrancava os cachos e os atirava para dentro de uma bacia de plástico, técnica esta que se mostrou bastante eficaz pelo facto de muitas das uvas serem, logo ali, pré-esmagadas, ainda que um ou outro bago se viesse a esborrachar na minha "tola". Sempre que a bacia se encontrava cheia, eram retirados os cangaços dos cachos e os bagos que se apresentassem com "varizes" ou outras maleitas do género. Eram também retirados os aranhiços e todas as impurezas que se revelassem prejudiciais à obtenção da classificação VQPRD - Vinho de Qualidade Produzido em Região Dermacada. A bacia funcionou como mini-lagar onde foi efectuado o esmagamento das uvas. 2 - O ESMAGAMENTO Apenas com os bagos sãos (e devidamente livres de impurezas) dentro do lagar (bacia de plástico), procedeu-se ao esmagamento utilizando-se, para o efeito, uma garrafa vazia que, segurada pelo gargalo e em movimentos verticais repetitivos de cima para baixo, acabavam por criar o mosto, cujo transvase para a cuba de fermentação (balde de plástico maior) era de seguido efectuado, regressando-se novamente à vindima, repetindo todo o processo até estarem todas as uvas maduras retiradas. 3 - A FERMENTAÇÃO Na fermentação do vinho americano (morangueiro), é conveniente não se deixar muito tempo a casca da uva (tinta) em contacto com o mosto-vinho para evitar ao máximo a produção álcool metílico (metanol) que é nocivo para a saúde, sobretudo se for ingerido sem moderação. Retirada a casca passados 4 a 5 dias, o mosto-vinho foi filtrado com recurso a um pequeno funil e um pedaço de pano de lençol velho, após o que foi colocado noutro recipiente fechado, adaptado de um pequeno tubo que deixei mergulhado em água para permitir a saída do gás carbónico que se desprendia da fermentação, evitando-se a entrada de ar. Nestas condições, o mosto-vinho conclui o processo de fermentação alcoólica, isto é; todo o açúcar é transformado em álcool e o vinho está praticamente feito.
4 - A DECANTAÇÃO
A decantação é o processo que visa eliminar o resto da matéria orgânica que, após a filtragem, ainda se mantém em suspensão no vinho. Deixa-se o vinho em repouso durante alguns dias em vasilhame fechado, após o que se decanta com cuidado para o vasilhame definitivo, evitando o depósito entretanto produzido.
5 - O ENGARRAFAMENTO
Na fase de engarrafamento, a tarefa mais importante é, sem dúvida, a do arrolhamento que deve ser sempre realizado por pessoal altamente qualificado e munido de ferramentas apropriadas (como mostra a foto ao lado), sob pena de não se obter um arrolhamento perfeitamente hermético que, deixando entrar o ar, pode causar a deterioração de um vinho que, pelo descrito atrás, promete vir a deliciar muitas gargantas. Faz-se então a selecção e procede-se à rotulagem de acordo com as características do vinho produzido - neste caso um "D. Abílio - Reserva de 2013". A pequena produção obtida deveu-se sobretudo ao facto de ter havido uma rigorosa selecção de uvas, onde se privilegiou o aspecto, a textura, o sabor e, acima de tudo, o que havia.
7 - PRODUÇÃO - 2013
Optou-se por uma produção limitada (10 garras e meia) no sentido de criar um vinho de colecção, não sobrecarregando em demasia o mercado, situação que originaria inevitavelmente uma descida geral de preços não condizente com a qualidade do vinho (ou lá o que aquilo é). 8 - O HERÓI E OS SEUS TROFÉUS Após um trabalho extenuante na azáfama das vindimas e da produção vinícola, o produtor posa visivelmente orgulhoso diante do seu produto de qualidade bem... duvidosa.
9 - O EMPACOTAMENTO/EXPORTAÇÃO
A fase final de todo este complicado processo é o empacotamento destinado à exportação onde, por razões económicas, são aproveitadas as caixas que serviram noutras paragens e às quais se acrescenta um certo cunho pessoal colocando-lhes alguns pedaços de fita cola nos locais onde se mostrem necessários, após o que se acondicionam em armazém próprio, iniciando-se então a fase de envelhecimento, caso sobeje algum para esse efeito.
Para aqueles que pretendam iniciar-se na produção de um vinho morangueiro (americano) caseiro e 100% biológico, espero ter deixado aqui algumas dicas e informações que constituam um razoável contributo para os habilitar na produção de uma excelente pinga de qualidade mais que duvidosa. AMagro - Dezembro - 2013 |